São
Paulo da Cruz tinha uma estampa do Menino Jesus dormindo sobre a cruz
e, do seu lado, os objetos da Paixão:
“Tinha
eu, anos atrás, um quadro de um belo Menino, dormindo placidamente
sobre uma cruz. Quanto me agradava este símbolo! Dei-o a uma pessoa
de vida santa para que ela se habituasse a dormir sobre a Cruz de
Jesus em doce silêncio e tranquila paciência. Eu queria, como
desejo a você, que aquela alma fosse criança em pureza e
simplicidade e dormisse sobre a cruz de Jesus. Portanto, você, que
no Santo Natal, terá o Menino no seu coração, todo transformado
Nele por amor, durma com Ele no berço da Cruz e, embalado pela
melodia da divina canção que Maria Santíssima cantará, você
adormeça com a Divina Criança, transformada num só coração com
Ela. O Cântico de Maria Santíssima será: seja feita a vossa
vontade, assim na terra, como no céu; a outra estrofe será:
trabalhar, padecer e calar; e a terceira: não te escusar, não te
lamentar, não demonstrar ressentimento… Que te parece esta canção?
Aprende-a, cante-a, dormindo sobre a Cruz e cumpre-a com fidelidade
que eu te asseguro te tornarás santo…”. (São Paulo da
Cruz, Cartas III, p. 602-604)
Depois
desse recado de São Paulo da Cruz, o que essa estampa tem ainda a
nos falar?
Deus
assumiu por completo a realidade humana.
Enquanto dor, vemos o recém-nascido em total pobreza e despojamento,
ignorado pelos grandes do mundo e privado do aconchego de um lar.
Enquanto amor, Ele não colocou critérios e nem escolheu o lugar
para se fazer solidário a nós; manjedoura ou cruz… a causa foi
maior do que as circunstâncias. O cristão que não consegue
relativizar a dor, em vista do amor, ainda está distante das lições
do Mestre.
Os
objetos da Paixão estão a sua (a nossa) volta.
O que faria uma criança se, ao nascer, ela já tivesse a consciência
de que a sua vida, seria um caminho de cruz? Se ela já pudesse
sentir o incômodo e a dor de uma coroa de espinhos, da flagelação,
dos insultos e desprezos humanos? Milhares de crianças, hoje, no
mundo, estão nessa situação: pelo flagelo da fome e da miséria,
pela ausência de carinho e cuidados, vítimas de um sistema de morte
que descarta e abandona.
A
cruz é lugar de descanso. O
Menino sobre a cruz lembra as suas próprias palavras: “Vinde a mim
vós todos que estais cansados e sobrecarregados pelo peso de cada
dia e vos aliviarei… e encontrareis descanso para as vossas almas…”
Há muita gente ignorando esse convite do Senhor, trocando o
aconchego do Coração de Deus, por comodidades que as impedem de
crescer. A cruz são os braços de Deus a nos afagar e a nos
proteger. Fugir da cruz de Cristo é viver cansado e sem rumo.
As
condições para o seguimento.
“Quem quiser me seguir renuncie a si mesmo…” A cena parece
dizer que o Menino renunciou ao prazer dos brinquedos, optando pelos
objetos da Paixão. Eis a difícil decisão: dizer não às próprias
vontades para acolher a Vontade divina. O Menino está Crucificado:
“… tome a sua cruz a cada dia e siga-me”. Abraçar a cruz é
estar disposto a morrer a cada instante pelo Evangelho; é
abandonar-se em Deus, colocando a vida e a história em suas mãos.
A
Kenosis necessária.
Ao se encarnar (descer) Deus nos eleva (divino nascimento). Em São
Paulo da Cruz, o nascimento e a ressurreição têm o mesmo sentido.
Paulo da Cruz experimenta uma verdadeira simbiose entre o mistério
pascal e o mistério do Natal. A morte mística é ao mesmo tempo ir
para a cruz com o Cristo e com Ele morrer e assumir o próprio nada
para que aconteça em nós, uma nova Encarnação do Verbo. A vida é
uma constante novidade de Deus: “Eis que faço novas todas as
coisas.”
Natal
é Paixão dolorosa para aqueles que não têm moradia, trabalho,
saúde, dignidade… Para quem substituiu o Menino Jesus pelo papai
Noel e para quem acredita que religião ainda é ópio. É Paixão
amorosa, naqueles que perdem tempo com a pessoa e com a criação,
promovendo a vida… certos de que a Criança de Belém está
presente em cada grito de dor e em cada sorriso festivo. Natal é
Paixão dolorosa e amorosa, porque Deus continua se encarnando,
lembrando que o céu desceu à terra e a terra se elevou ao céu.
Deus estabeleceu morada no coração do homem e o homem no coração
de Deus. FELIZ E SANTO NATAL!
Pe.
Amilton Manoel da Silva, CP